sexta-feira, 27 de maio de 2011

DIRETO DO JORNAL BESTA FUBANA - JBF

CANTO DO ARRIBADO - Maurício Melo Júnior

ELOGIO AO VELHO CAPONE

Conta a lenda que, caminhando pelo deserto da Palestina, sem comer nem beber há quarenta dias, Jesus Cristo avistou um canavial. E não me perguntem como este canavial foi aparecer no deserto; estamos no terreno da lenda. Pois bem, o filho de Deus descansou sob a sombra modesta, sim, mas generosa e saciou a sede e a fome com o caldo doce da cana. Ao sair abençoou a planta e decretou: “Daqui o homem irá tirar algo doce para seu alimento”. Assim surgiu o açúcar, o melaço, a rapadura.

Seguindo na mesma trilha, para atanazar Cristo, Satanás entrou no mesmo canavial do mesmo deserto. A palha da cana o deixou todo lanhado, não consegui uma sombra que fosse e quando tentou se encostar encheu as costas com aquele pelinho que dói prá lascar. Para aliviar a sede quebrou uma cana e a bicha tava mais azeda que jiló. Arretado com aquilo amaldiçoou o partido: “Daqui o homem irá tirar um produto que vai lhe queimar a goela, vai lhe deixar embriagado e vai lhe desgraçar a vida”. Assim surgiu a cachaça.

A lenda tem suas injustiças. Açúcar é doce, mas engorda. Cachaça desgraça, mas pode ser degustada com moderação e prazer. Tudo é uma questão de dosagem. No mais é secundar Ascenso Ferreira: “Suco de cana-caiana tirada do alambique / pode ser prejudique / mas bebo toda sumana…” Daí é apreciar sem culpas as qualidades de uma boa cachaça.

A lenda não fala, mas com certeza na maldição do diabo constava um item falando que a descoberta se daria num país onde o governo tem mais sede que nós, os bravos consumidores. Falo aqui de uma sede metafórica, pois é mais fácil sustentar a gula de um caminhão Ford com gasolina que o governo com imposto.
Esses dias, conversando com um produtor, o cabra foi categórico. Envolvendo todos os custos – plantio, colheita, destilação, armazenagem, embalagem, transporte, salários, direitos trabalhistas, lucros, etc –, ele consegue botar na prateleira uma garrafa de cachaça por 20 reais. Quando entram os impostos federal, estadual e municipal o custo pula prá 50 reais, o preço de um uísque de qualidade. Daí ele se complica com a concorrência.

Como para todo bebedor a persistência é uma norma, apelei para a Internet. Descobri uma página maravilhosamente bem surtida e com preços atraentes. Esperançoso, iniciei as negociações. E fui até a pergunta fatal: Onde devo entregar o produto? Em Brasília, respondi. Não dá, quando chegamos aí o governo local nos morde com tanta força que não há como compensar o prejuízo. Frustrado, fiquei na sede, ruminando prá onde vai tanto imposto.

De onde ele vem, eu sei. Uma pesquisa recente informou que até o dia 25 de maio todos os brasileiros, inclusive os aposentados, trabalharam apenas para pagar impostos. E isso se repete todos os santos anos. Ou seja, a coisa é bem mais séria do que simplesmente taxar a cachaça e seus sagrados consumidores.

Constantemente leio nos jornais que os governos comem 50% da conta de luz. Outro dia caminhei uns três quilômetros acompanhando uma imensa fila de carros para descobrir que todos esperavam pacientemente para abastecer sem pagar impostos. O preço da gasolina estava por menos da metade. E até o cândido açúcar, mesmo abençoado pelo Cristo, carrega 30% de seu preço em impostos.  

E tudo piora quando, voltando aos jornais, lemos sobre estradas sem asfalto, hospitais sem médicos ou remédios, escolas sem merenda, sem professores, sem motivação. E o que se faz com todo dinheiro arrecadado? Será? Bom, pode ser uma explicação. Vamos lá.

Marcos Freire era presidente da Caixa Econômica Federal e recebeu a visita de Luís Portela de Carvalho, ex-prefeito de Palmares. Junto entrou no gabinete uma comissão de cinco prefeitos gaúchos que buscava dinheiro para comprar um patrol. Vendo aquilo, Portela desdenhou: “Comprei uma esta semana com recursos próprios.” “Como, tchê?” “Eu não roubo”, respondeu na lata, para constrangimento de todos.

Tudo uma questão de formação moral. Luís Portela sabia o sentido pleno da palavra república, coisa pública, e hoje é quase uma lenda urbana em Palmares onde há um verdadeiro culto à sua atuação na prefeitura.

O velho descontrole na fiscalização e as notícias que assolam os jornais explicam por que não pude comprar minha cachaça com entrega em domicílio. Um amigo chegou a se exaltar e defendeu o Chile como exemplo de política de impostos e de soluções. “Lá o vinho é considerado alimento e tem uma taxação justa.” Bom, como não dá para considerar cachaça alimento, a menos que se queira ser excomungado pelos patrulheiros de plantão, e sabendo que a economia chilena é igual a do estado de São Paulo, o melhor é apelar para nosso sagrado jeitinho. 

É preciso ciência até para tomar cachaça. E neste caso a solução foi inspirar-me no velho Al Capone. Pois bem, procurei uma amiga que trabalha em Luziânia, uma cidade goiana nas imediações do Distrito Federal. De comum acordo passei ao fornecedor o endereço de trabalho da moça. Os cabras, livres da mordida distrital, deixaram ali a preciosa encomenda e eu a apanhei aqui, do outro lado da fronteira com ela, numa ação digna de um bom e nobre sacoleiro. Tudo muito prático.

Meu gesto faria ri o velho Capone, pois não passo de um reles amador, mas também nossa Lei Seca não chega aos rigores americanos de antanho, e no mais não consigo correr do governo quando compro açúcar, abasteço o carro, pago a conta de luz. Acho que preciso estudar melhor a vida do velho gangster, afinal a taxação da cachaça ainda dá para agüentar, mas bem que gostaria de saber em que árvore nascem os impostos. Com certeza conseguiria um bom exorcista para tirar dali a praga do cramunhão.                          

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