quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A NOSSA ÚLTIMA FRONTEIRA - Por: Centro de Comunicação Social da Marinha

A nossa última fronteira

No ano de 1500, navegadores portugueses, em busca do caminho marítimo para as Índias, acabaram descobrindo uma terra aparentemente muito rica, o que levou o escrivão da frota a relatar que “em nela se plantando tudo dá”. Pelo mar chegaram os nossos descobridores.
De fato, a terra era realmente muito rica, tanto que atraiu a cobiça de outros países, que para cá enviaram expedições invasoras, como aconteceu, por exemplo, com os franceses e holandeses. Pelo mar vieram os nossos primeiros invasores.
Para consolidar a nossa independência, e enfrentar as diversas lutas, internas e externas, em que o então Brasil Império se viu envolvido, tivemos que criar uma Marinha, e, mais do que isso, dar a ela a capacidade de utilizar o mar, em proveito das ações que tinha que empreender. Na Guerra do Paraguai, o maior conflito em que estivemos envolvidos durante o Império, embora o teatro de operações não tenha sido marítimo, o controle das vias fluviais, garantido pelos heróis de Riachuelo, foi primordial para a vitória final. Não devemos nos esquecer, também, que uma das causas para a sua eclosão foi o apresamento de um navio brasileiro, o “Marquês de Olinda”.
Nos dois conflitos mundiais, ataques perpetrados contra navios mercantes brasileiros, levaram o nosso País a deles participar. Aliás, no último deles, o maior número de vítimas brasileiras ocorreu no mar, e não em solo estrangeiro, fato esse nem sempre lembrado.
O mar, sempre o mar.
É preciso que não esqueçamos as lições da nossa história, e que prestemos atenção ao mar. Rui Barbosa, no seu artigo “A Lição das Esquadras”, escrito em 1898, já nos dizia que: “O mar é o grande avisador. Pô-lo Deus a bramir junto ao nosso sono, para nos pregar que não durmamos”.
Mas, infelizmente, nos três conflitos externos acima citados, a Marinha não estava pronta, pois não foi ouvido o bramir do mar a que Rui Barbosa se referiu. Isso exigiu um sacrifício muito maior da sociedade brasileira.
Feito esse rápido retrospecto, que também é um alerta, façamos, uma breve recordação do estabelecimento das nossas fronteiras.
Antes mesmo do descobrimento do Brasil, talvez até porque já se suspeitasse da existência de novas terras, havia sido estabelecida a “Linha das Tordesilhas”, que, de certa forma, constituiu-se na primeira definição das fronteiras terrestres do que, mais tarde, viria a ser o Brasil.
Posteriormente, os bandeirantes, nas suas marchas desbravadoras para o oeste, ultrapassaram a referida linha, e com o passar do tempo, brasileiros ilustres, como o Barão do Rio Branco, foram conseguindo definir as nossas fronteiras terrestres, hoje perfeitamente delimitadas.
E no mar, o que ocorreu?
Historicamente, os estados costeiros sempre aceitaram a existência do denominado mar territorial com 3 milhas marítimas (1 milha marítima equivale a 1.852 metros) de largura a contar da linha da costa. Essa distância correspondia ao alcance dos canhões que, à época, existiam nas fortificações erguidas no litoral.
No final da década de 50, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a discutir a elaboração do que viria a ser, anos mais tarde, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar.
A necessidade dessa Convenção tornou-se evidente, a partir do instante em que os países passaram a ter consciência de que precisavam de um novo ordenamento jurídico sobre o mar, pois a cada dia, aumentavam suas informações sobre o potencial das riquezas nele existentes, o que poderia gerar crises.
Uma delas foi vivenciada por nós, em fevereiro de 1963, em torno da disputa pelos direitos de pesca em nossas águas, onde atuavam pesqueiros franceses, episódio que ficou conhecido como a “Guerra da Lagosta”.
Mais uma crise, e, mais uma vez, no mar.
O Brasil participou, ativamente, de todas as reuniões de discussão desse tema na ONU, com representantes do Itamarati e da Marinha. Dentre os tópicos da referida discussão constavam:
- a ampliação do Mar Territorial para 12 milhas marítimas;
- a criação da denominada Zona Contígua, com mais 12 milhas marítimas de largura, a contar do limite externo do Mar Territorial; e
- a maior novidade, o estabelecimento da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), situada além do Mar Territorial e a este adjacente, com 188 milhas marítimas de largura, e não se estendendo além das 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do Mar Territorial.
Antes mesmo de a mencionada Convenção entrar em vigor, o Brasil, à semelhança de vários outros países, estabeleceu, por meio de legislação interna, baixada no início da década de 70, o seu Mar Territorial com 200 milhas marítimas de largura. Isso gerou uma espécie de euforia popular, como, por exemplo, uma canção cuja letra dizia que “esse mar é meu, leva esse barco para lá desse mar”.
Finalmente, em 1982, foi assinada a CNUDM, a qual foi ratificada pelo Brasil, em 1988, mas ainda não por todos os países, incluindo a atual potência hegemônica. Atualmente a CNDM já foi ratificada por 156 países.
Os conceitos já mencionados, do Mar Territorial, da Zona Contígua e da ZEE, assim como as suas dimensões, foram incluídos na Convenção.
É conveniente que o leitor saiba, exatamente, o significado de cada um desses termos. No Mar Territorial, e no espaço aéreo a ele sobrejacente, o estado costeiro tem soberania plena. Já na Zona Contígua e na ZEE, isso não acontece. O estado costeiro não pode, por exemplo, negar o chamado “direito de passagem inocente” a navios de outras bandeiras, inclusive navios de guerra.
Entretanto, a exploração e explotação dos recursos vivos e não vivos do subsolo, do solo e das águas sobrejacentes na ZEE são prerrogativas do estado costeiro, que, a seu critério, poderá autorizar a outros países que o façam. Entretanto, no que diz respeito aos recursos vivos, a Convenção prevê que, caso o estado costeiro não tenha capacidade de exercer aquelas atividades, é obrigado a permitir que outros estados o façam. A Convenção permitiu, ainda, que os estados costeiros pudessem apresentar, à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da CNUDM, os seus pleitos sobre o estabelecimento do limite exterior de suas Plataformas Continentais, além das 200 milhas marítimas, até um limite máximo de 350 milhas marítimas, a partir das linhas de base da costa. Nesse prolongamento, o estado costeiro tem direito à exploração e explotação dos recursos do solo e subsolo marinhos, mas não dos recursos vivos da camada líquida sobrejacente.
Até o momento, nove países já exerceram esse direito. O primeiro foi a Rússia, que não teve os seus pleitos atendidos, devido a problemas de delimitação das suas fronteiras marítimas laterais com outros países.
O segundo foi o Brasil. Coroando um grande esforço nacional, no qual durante cerca de dez anos, com a participação ativa da Marinha, da comunidade científica, e da PETROBRAS, foram coletados 230.000 km de dados, o Brasil apresentou, em setembro de 2004, a sua proposta àquela Comissão.
O Brasil está pleiteando, junto à CLPC da CNUDM, a extensão dos limites de sua Plataforma Continental, além das 200 milhas náuticas (370 km), correspondente a uma área de 963 mil km². Após serem aceitas as recomendações da CLPC pelo Brasil, os espaços marítimos nacionais poderão atingir aproximadamente 4,5 milhões de km², o que corresponde, aproximadamente, à metade do território terrestre nacional, ou, ainda comparando as dimensões, a uma nova Amazônia. Em outras palavras, a nossa última fronteira “está sendo traçada no mar”.
É o que a Marinha vem chamando de Amazônia Azul, na tentativa de tentar alertar a sociedade da importância, não só estratégica, mas também econômica, do imenso mar que nos cerca.
Por ele circulam aproximadamente 95% do nosso comércio exterior (importações e exportações), cujo valor total deve alcançar, no corrente ano, aproximadamente US$ 170 bilhões.
A grande maioria dos bens que importamos e exportamos é transportado por navios de outras bandeiras. Isso demonstra a necessidade de se ampliar ainda mais o setor marítimo brasileiro, principalmente a indústria naval, que proporcionará aumento de emprego.
O que nos anima, sob esse aspecto, é que já se nota um início de recuperação, embora ainda tímido, do setor marítimo.
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Das plataformas localizadas na ZEE, e, portanto na Amazônia Azul, extraímos aproximadamente 88% da nossa produção de petróleo, cerca de 2 milhões de barris/dia o que, a preços conservadores, é coisa da ordem de US$ 2 bilhões por mês.
No setor pesqueiro, outra grande riqueza potencial da nossa Amazônia Azul, temos que, além de impedir a pesca ilegal na nossa ZEE, melhorar em muito a nossa produtividade, o que, além de gerar empregos, possibilitará o aumento das exportações, trazendo divisas para o País, evitando, ainda, que, conforme determina a Convenção, sejamos obrigados a permitir que outros estados explorem esses recursos naturais que são nossos.
O potencial econômico da Amazônia Azul não se esgota nas três atividades acima mencionadas. Poderíamos ainda citar os recursos biotecnológicos presentes nos organismos marinhos, a navegação de cabotagem, o turismo marítimo, os esportes náuticos, e, no futuro, a exploração dos nódulos polimetálicos existentes no leito do mar.
Mas as responsabilidades do nosso País no Atlântico Sul não se limitam à Amazônia Azul. Por uma outra Convenção Internacional, também ratificada pelo Brasil, temos o compromisso de realizar operações de busca e salvamento em uma extensa área marítima, que avança pelo oceano Atlântico, ultrapassando, em muito, os limites da Amazônia Azul.
Não parece lógico, nem prudente, descuidarmos dos diversos componentes do nosso Poder Marítimo, e muito menos deixar de alocar à Marinha do Brasil os recursos e os meios imprescindíveis para que ela possa não só atuar na vigilância e na proteção desse imenso patrimônio, mas também honrar os nossos compromissos internacionais.

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